segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

EXCLUSIVO: “A ABS tem o diferencial de fazer com que sommeliers de todo o mundo estejam interligados”, afirma Thiago Aquino, presidente da ABS-Bahia

Foto: Divulgação

José Falcón Lopes

“A Associação Brasileira de Sommeliers (ABS-Brasil) está interligada à ASI, que é a Associação Internacional de Sommellerie, com sede na França. Ela tem esse diferencial de fazer com que sommeliers de todo o mundo estejam interligados, mantenham relações, participem de concursos regionais e mundiais”. A afirmação é do sommelier Thiago Aquino, que tem a missão de presidir a Associação Brasileira de Sommeliers na Bahia (ABS-Bahia).

Vale destacar que, desde 2022, o Ministério do Trabalho incluiu a profissão de sommelier na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Uma medida que valorizou os profissionais especialistas no serviço de vinhos, ainda mais se comparada com a legislação trabalhista de outros países com grande tradição vinícola, a exemplo da Itália e da Espanha, mas que ainda não regulamentaram a atividade de sommelier.

Neste bate-papo exclusivo com a Coluna VinhosBahia, Thiago Aquino conta um pouco da sua trajetória profissional, compartilha sua experiência na ABS-Brasil e na ABS-Bahia na formação de sommeliers e antecipa algumas ações que a associação pretende promover no nosso estado. Boa leitura.

Coluna VinhosBahia: Como você foi conquistado pelo mundo dos vinhos? E desde quando você passou a ser um profissional desse mercado?
Thiago Aquino: Minha história no ramo da gastronomia começou há muito tempo. Em 2009, eu decidi abrir um restaurante em sociedade com dois amigos aqui em Salvador. A obra demorou um pouco e nesse tempo a gente foi desenvolvendo o cardápio em parceria com o SENAC e eu fui participando ativamente dessa ação. No meio da operação, com o restaurante já funcionando, eu resolvi cursar gastronomia aqui em Salvador e resolvo sair da sociedade, mas somos amigos até hoje. Um só dos amigos assume o restaurante com um outro grupo e eu resolvi ir para a Espanha para estudar, para fazer uma pós em cultura e gastronomia espanhola na Escuela de Hosteleria de Sevilla. Ainda não tinha nada a ver com vinhos. Muitos restaurantes três estrelas Michelin estão na Espanha e eu consegui, desde o início, trabalhar em restaurantes estrelados. Vou para Madrid trabalhar em um restaurante estrelado e de lá consigo ir para um pueblo a 30 minutos de Barcelona para trabalhar com Carme Ruscalleda, na época a melhor Chef mulher do mundo, em um restaurante três estrelas Michelin e me apaixono, realmente, por essa área. A Espanha tem uma questão trabalhista diferente. Os trabalhos são puxados, mas têm um desenvolvimento absurdo. Este ano estive lá e tenho amigos do mundo todo. É um restaurante espetacular com 16 cozinheiros, cada um responsável por um prato por mês. Eu rodava tudo e aprendia tudo. É um negócio fora de série. É uma experiência que eu não sei se vou conseguir ter outra vez na vida. Fiz um estágio de uma semana no El Celler de Can Roca, em Girona; trabalhei no restaurante Santo de Martin Berasategui em Sevilla; então, consegui trabalhar para grandes cozinheiros do mundo nessa época e foi uma experiência fantástica.

Quando eu voltei para o Brasil, fui trabalhar para uma empresa alemã de equipamentos de cozinha e fui morar em São Paulo. Fico um tempo lá e resolvo cursar a ABS-SP, que tinha um curso muito mais completo, e aí me apaixono pelos vinhos. Eu sou uma pessoa muito mais teórica do que prática, eu tenho um biblioteca extensa tanto de cozinha quanto de vinho. Cozinhar é um negócio apaixonante, mas no vinho eu consigo exercer um pouco mais essa questão de ensinar, de estudar diariamente, de você se desafiar e ter consciência de que você nunca sabe tudo. Isso que me fascina no mundo dos vinhos e que me fez sair da cozinha propriamente dita para ir para a sala, que é como a gente chama o salão dos restaurantes lá na Espanha.

A pandemia da Covid-19, se teve algum ponto positivo, facilitou muito esse processo porque ela juntou as pessoas que queriam estudar sobre vinhos. Então, por mais que a distância física fosse muito grande, a pandemia facilitou dar aulas, porque as pessoas estavam muito mais conectadas. Eu me aproximo ainda mais da ABS-SP e fui indicado para Dr. Mário Telles Junior e Dr. José Luiz Alvim Borges, que são os sócios-fundadores da Associação, porque eles queriam refundar a ABS aqui na Bahia. Eu fui muito reticente no início, até que resolvo topar a aventura, que não tem sido muito fácil. Tem sido muito mais desafiadora do que eu imaginava. O setor aqui é mais difícil do que eu imaginava. Por mais que eu tenha experiência dentro desse setor. Foi isso que me trouxe para o mundo dos vinhos e não me arrependo. Acho que o meio digital tem facilitado muito as coisas, tenho investido um pouco nisso, e confesso que é realmente onde eu acredito ter me encontrado na vida: a questão de fazer o que gosta, de me desafiar todos os dias, de poder estudar todos os dias, de poder viajar o mundo inteiro. Você realmente pode conhecer o mundo através da gastronomia, mas o vinho eu acho muito mais interessante. Não pelo fato de beber em sí, até porque a gente bebe muito menos quando se torna profissional. As pessoas acham isso meio paradoxal, mas não tem nenhum paradoxo nisso: a gente bebe muito menos, mas a gente bebe muito melhor e começa a ter um prazer diferente desse que é apenas sinestésico, a gente começa a ter um prazer cognitivo. Mas não é um cognitivo de se achar superior, de soberba, mas é um prazer cognitivo de você entender o que está acontecendo ao descobrir as nuances do vinho. É um prazer a mais, que se soma ao sinestésico.

Coluna VinhosBahia: Qual o tempo de duração do curso de sommelier da ABS? E qual o diferencial de um profissional de vinhos com essa formação?
Thiago Aquino: O curso da ABS-SP é o mais longo, leva entre 2 e 3 anos, mas depende da dedicação e esforço do aluno. As regionais têm o mesmo conteúdo, mas são 7 meses porque as aulas são um final de semana por mês: uma sexta à noite, um sábado e um domingo.

A ABS é uma instituição fantástica para o estudo de toda a sommellerie. Já estudei em outras instituições também e digo que a ABS tem um tipo de estudo que eu gosto, que permite a você pensar. Por mais que tenham conhecimentos que você precisa conhecer, que as pessoas acham que precisam gravar, a ABS possibilita a você entender as coisas por ser um curso muito mais longo e por ter uma metodologia educacional ampla do mundo dos vinhos. Não é apenas pegar um livro para ler e tentar fazer uma prova. A ABS é educação, esse é o seu grande diferencial. Quando você termina a ABS, é o primeiro passo apenas. Você não pode achar que uma certificação da ABS de sommelier profissional, que é o principal curso da associação, é o final da sua trajetória. Ali eu costumo dizer que é o só o princípio da sua carreira. Mesmo para pessoas que não querem exercer a profissão. Isso é muito comum. Muitas pessoas não querem ser profissionais do vinho, não querem deixar suas profissões. Elas estão buscando um curso completo, abrangente, que englobe todas as principais regiões com significação para o vinho – tanto as grandes como as pequenas -, e o curso da ABS permite isso. Ela está interligada à ASI, que é a Associação Internacional de Sommellerie, com sede na França. E a ABS ainda tem esse diferencial de fazer com que os sommeliers de todo o mundo estejam interligados, mantenham relações, participem de concursos regionais e mundiais. Por exemplo: de um tempo pra cá, a gente tem tido um entedimento de que o mundo sai daqueles vinhos mais potentes e caminha para vinhos mais elegantes. A gente percebe esse caminho dentro da ABS muito antes do nicho profissional perceber. Então a ABS é muito mais do que uma escola, é uma grande reunião de enófilos e sommeliers que interagem com uma carga horária que permite um curso muito completo. Até porque cada país costuma direcionar seus cursos muito mais para os seus vinhos. Mas a ABS não tem essa visão.

Coluna VinhosBahia: Qual a sua avaliação em relação à formação dos profissionais de vinho no Brasil de uma maneira geral e na Bahia mais especificamente?
Thiago Aquino: Eu tenho uma preocupação muito grande sobre essa questão da formação dos profissionais. Porque hoje as pessoas estão em busca de cursos rápidos, de coisas instantâneas, de efeitos quase que automáticos. Então é muito comum a pessoa estudar, fazer um curso de duas, três semanas e a primeira coisa que ela faz é colocar em suas redes sociais. A sommellerie é uma profissão muito séria. Nós temos uma profissão regulamentada, o Brasil é um dos seis países que tem regulamentação profissional para sommeliers. A Itália e a Espanha não têm nossa profissão de maneira regulamentada. Aqui foi uma luta da ABS nacional, a ABS Brasil, através do seu presidente Danio Braga. Então a gente precisa valorizar a profissão de sommelier. É preciso mudar esse caminho de cursos rápidos e essa visão de achar que quem tem conhecimento é soberbo, é pedante. Isso não é verdade. Hoje, qualquer pessoa que não é especialista faz um curso rápido e começa a falar o que quer, e temos escutado muita besteira por aí. Porque as pessoas não querem buscar conhecimento fidedigno. O estudo dos vinhos é para a vida inteira. Tem cursos por aí que dizem que estudar Borgonha (região da França famosa por possuir um terroir que permite a produção de vinhos finos, elegantes e complexos) é fácil. É impossível. Acho até que uma vida só é pouco tempo para estudar e entender a Borgonha, imagine conhecer tudo. A pessoa estuda um livro de 200 folhas, grava aquilo ali e na semana seguinte provavelmente já esqueceu. Mas acha que sabe tudo e se diz profissional. É como eu disse: seja diploma da ABS ou de qualquer outra instituição, este diploma é só o seu primeiro passo. Você tem que continuar a estudar porque o mundo do vinho muda diariamente. Você tem que entender todos os dias o que foi que mudou. Muita gente quer que as pessoas pensem que é fácil em busca de vender essa instantaneidade. Não é fácil. Pode ser simples, mas não é simplório.

Quando você está junto a uma associação com respaldo como é a ABS, você já sabe percorrer os caminhos do estudo de forma menos turbulenta. Mas precisa de dedicação, precisa de empenho e muito estudo. Costumo dizer que o tempo de taça e o tempo de livro precisam ser quase que os mesmos. Pessoalmente, prefiro até que o tempo de livro seja maior. A gente precisa sair daquela questão de que é escolhido para ser sommelier o garçom que se destacou no posto. Se o garçom quer se desenvolver e o empresário acredita no talento dele precisa investir em educação e fazer uma parceria com o funcionário para que aquela formação seja reversível para sua empresa. Acho que é a educação que pode nos salvar. Acho que a gente vive uma fase muito crítica nesta questão da educação, de todo mundo achar que é especialista daquilo que sabe muito pouco. As pessoas querem ser muito generalistas, mas não se aprofundam nos assuntos, ficam rasas nos conteúdos e nos estudos, principalmente nessa profissão de sommelier. É a minha terceira profissão, me formei em publicidade primeiro e depois em gastronomia. Tenho um respeito absurdo pela sommellerie e pela profissão de sommelier. É claro que eu preciso trabalhar, todo mundo precisa, mas sou sommelier por gosto e por opção. Por isso que eu sou um defensor ferrenho dessa questão da educação.

Recentemente, tive uma conversa com uma pessoa que me disse que era “sommelier autodidata”. Eu não entendo o que é isso. Fico imaginando um médico dizer que é autodidata. Outra pessoa veio me dizer que eu não podia ser tão criterioso nessa questão porque em nosso País tem, por exemplo, professor de física que dá aula de geografia. Então nós temos que mudar o conceito de uma associação profissional como a ABS, que forma sommeliers há mais de 40 anos. A gente tem que aceitar que qualquer pessoa seja sommelier e se autointitule sommelier? Só porque a educação pública é ruim? Não deveria ser o contrário? A gente deveria pegar como exemplo o que funciona bem. Então parece que algumas pessoas querem o caminho mais fácil, o caminho mais curto. É por isso que tem golpes em vigência por aí. Na sommellerie o que acontece é isso: algumas pessoas querem estudar pouco, mas querem dizer que são extremamente conceituadas em coisas que dedicam tempo, dedicação e estudo.

Vez por outra, me pego pensando que sei muito pouco e ainda prefiro pensar assim do que ter a soberba de achar que sei muito. Isso me força a estudar e, principalmente, a conversar com pessoas que querem crescer. Porque o desenvolvimento se dá através da educação e do estudo conjunto e eu vejo isso muito pouco na Bahia. Eu sou baiano, mas o trabalho aqui é bem mais árduo do que eu imaginei. A gente tem que romper com essa ideia de que a Bahia pode menos do que os outros lugares, de que um especialista não pode usar termos técnicos e rebaixar sempre o seu conhecimento ou fazer de conta que não tem. Aqui quem tem algum conhecimento aprofundado é visto como soberbo. Mas é esse conhecimento que vai fazer as pessoas consumirem vinhos de uma gama maior, senão a gente vai estacionar. A única forma de superar isso é a educação. Não é só tomar vinhos de 300, 500 ou 5 mil reais. Não é isso que eu tô dizendo. Essas experiências precisam acontecer, mas a educação até pode favorecer isso quando você encontra pessoas que comungam da mesma visão e possibilitam fazer a divisão do preço de algum exemplar voltado para a educação em que o consumo vai ser pequeno, mas vai permitir que você entenda o vinho produzido naquela determinada região, o que ele pode oferecer como características e tipicidade.

Coluna VinhosBahia: Quais as principais ações planejadas para os próximos meses pela ABS Brasil e pela seção Bahia?
Thiago Aquino: A ABS Brasil tem ganhado corpo. Se não me engano, já somos 16 estados, com mais estados previstos para o ano que vem e vai se tornando uma associação cada vez mais forte. Claro que tem problemas, mas a gente tem uma visão muito coesa do ponto em que queremos chegar, focados numa educação criteriosa, numa didática mais clássica da educação em que a gente permite fazer o associado e o aluno pensar. Não é só gravar coisas, sentar e repetir o que tá no livro. A gente quer parceiros de discussão, interação e que as pessoas entendam que este é só o primeiro passo. Por isso os cursos oferecidos são cada vez mais abrangentes, com visões amplas deste setor para encerrar qualquer possibilidade de preconceito – seja de bag in box, screw cap (tampa de rosca), vinho em lata -, e permitir que entendimentos modernos que a gente vê nas feiras internacionais venham melhorando nosso foco. Essa é a nossa principal visão como associação nacional ligada a uma associação-mãe lá na França, que reúne mais de 55 associações de sommellerie do mundo inteiro.

A ABS Bahia ainda é muito pequenina. Estamos iniciando esse processo com algumas dificuldades, mas a gente não esmorece. Essa é a nossa luta e vamos trazer novos parceiros. Este ano devemos ter ainda dois encontros com enólogos muito significativos. O enólogo Michel Friou da vinícola chilena Almaviva virá a Salvador em dezembro, mas não tem nada aberto ao público. É importante destacar que a responsável pela vinda de Friou a Salvador é Cristina Neves, que é a presidente dos Vinhos Almaviva no Brasil. Nós da ABS-Bahia estamos apenas facilitando os contatos para receber bem duas pessoas muito importantes do nosso setor. A outra ação é um evento sobre uvas Riesling (uva branca com origem na Alemanha), que iremos divulgar quando estiver 100% definido.

Para o ano que vem, a gente vai abrir a turma de sommelier profissional. A gente precisa dar esse presente para uma cidade tão turística quanto a nossa. Este ano, não conseguimos formar a turma. Mas em 2025, certamente, vamos abrir, assim como os cursos introdutórios e as degustações semanais, que são muito importantes para manter um grupo coeso de pessoas interessadas no seu desenvolvimento até chegar na formação dessa turma profissional. Estes são os nossos planos.

Coluna VinhosBahia: Tem mais alguma informação que você queira destacar para os leitores da Coluna VinhosBahia?
Thiago Aquino: Fico muito feliz com a atividade de vocês porque, ao lado da educação em vinhos, certamente está o desenvolvimento da imprensa segmentada. Eu acredito muito nisso, é uma via de mão dupla muito positiva. Estou à disposição na associação, que trabalha arduamente para a educação e formação de sommeliers na Bahia. O site oficial da associação é www.absbahia.com.br e o perfil do Instagram é @ABSBahia.

26 de novembro de 2024, 13:04

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