sexta-feira, 25 de abril de 2025

EXCLUSIVO: “Trás-os-Montes é a região vinícola mais antiga da Península Ibérica e, ao mesmo tempo, é uma das mais recentes”, afirma Fernando Nicolau de Almeida

Foto: Divulgação

Por José Falcón Lopes

A Coluna VinhosBahia traz neste Domingo de Páscoa (20/04) uma entrevista muito especial com o viticultor luso-brasileiro Fernando Nicolau de Almeida, neto e homônimo do famoso enólogo português criador do icônico vinho Barca Velha.

Fernando está em Salvador para apresentar uma masterclass somente para convidados e que tem como tema a Denominação de Origem Controlada (DOC) Trás-os-Montes. É nesta região vinícola de Portugal que ele possui a Quinta Vale dos Montes e produz, sob a consultoria da experiente enóloga Joana Pinhão, os vinhos Vinhas Velhas Branco, Vinhas Velhas Tinto e o Talau, este último criado em homenagem ao seu pai.

Uma entrevista repleta de história, ensinamentos e que, sem dúvida alguma, irá harmonizar com um bom vinho e um bom almoço nesta Páscoa. Boa leitura.

Coluna VinhosBahia: O senhor possui o mesmo nome do famoso enólogo da Casa Ferreira que criou o icônico vinho Barca Velha. Ele é seu parente? O senhor pode falar sobre a homenagem que fez com o vinho Talau?
Fernando Nicolau de Almeida:
Meu nome é Fernando Macambira Nicolau de Almeida. É um nome icônico nos vinhos porque meu avô foi o homem que revolucionou o vinho de mesa em Portugal, foi o criador do icônico Barca Velha. Foi um vinho, na altura, muito falado pela diferença que foi feito, pelo controle da fermentação, uma fermentação mais lenta. Antigamente, no Douro, só se fazia Vinho do Porto. Eu sou o Fernando Nicolau de Almeida número 4. Meu avô era o número 2. Meu pai é o número 3 e meu filho é o número 5. É um nome que vai passando de geração em geração. É um nome muito forte no vinho. E eu comecei a trabalhar com vinho há muito pouco tempo, há seis anos basicamente. Mas tenho uma paixão por vinhos há muito mais tempo. Já fiz vários cursos, WSET 3, fiz milhões de masterclasses internacionais e de vinhos portugueses. Agora estou fazendo uma formação de masterclass de vinhos portugueses de Trás-os-Montes. Principalmente para casas do Douro que têm um enoturismo forte como a Symington. Apresentei recentemente um masterclass na Quinta do Bonfim para Vinhos de Trás-os-Montes, que eles não conheciam. E Trás-os-Montes está muito próximo do Douro. Essa homenagem que foi feita com o vinho Talau não foi para o meu avô. Esse vinho ainda está em estudo. Já está bem pensado e mais ou menos criado. Essa homenagem foi para o meu pai, que era o filho mais velho. Fiz essa homenagem ao meu pai porque ele gostava muito de vinho tinto. Ele faleceu antes que eu conseguisse lançar o vinho no mercado, faleceu logo na primeira leva da Covid. Por isso resolvi fazer essa homenagem a ele, por isso o vinho se chama Talau, que era a alcunha, o apelido do meu pai, Fernando Rosas Nicolau de Almeida. Ele era conhecido como Talau. É uma homenagem singela que eu achei bonita fazer para meu pai. É um vinho especial, diferente, que vem de um vinhedo de 93 a 120 anos, só vinhedos velhos. Essa homenagem vai ser o meu Barca Velha: nos anos bons vem o Talau, nos anos maus não tem Talau.

Coluna VinhosBahia: O senhor pode contar um pouco da sua trajetória profissional e sua relação com o mundo dos vinhos?
Fernando Nicolau de Almeida:
Eu sou licenciado em gestão com MBA em Marketing e Relações Internacionais. Comecei a trabalhar aqui em Salvador. Comecei a estudar Economia na Universidade Católica e depois transferi para Portugal e lá tive que começar o curso de novo. Aqui eu já trabalhava com programação, informática. E quando mudei para Portugal comecei a trabalhar numa empresa de distribuição de vinhos que era do meu pai e do meu tio. Eu trabalhava na parte de programação para fazer contatos, base de dados e faturamento. E também trabalhava como comercial de vinhos, principalmente para grandes perfis. Depois fui trabalhar para a Texas Instruments, depois para a Olivetti Computers na Espanha e a partir daí montei uma empresa de informática, de distribuição, que vendia para as telecomunicações. Depois das telecomunicações, ingressei no mercado financeiro. Depois daí, tive um pequeno infarte por estresse. Aí resolvi abandonar a área financeira e comecei a trabalhar, depois de algum tempo, na área de turismo, enoturismo e vinhos.

Coluna VinhosBahia: Quando surgiu a ideia de criar a Quinta Vale dos Montes e qual o propósito dos seus vinhos?
Fernando Nicolau de Almeida:
Em 2020, eu comprei a minha vinícola. Eu já estava trabalhando em Trás-os-Montes numa outra vinícola que eu criei como diretor comercial. Criei a marca e botei no mercado, mas deixei esse projeto e fui trabalhar no meu, que é um projeto familiar, sou eu e meu filho que está fazendo engenharia agronômica. Depois não sei o que ele vai seguir, mas pela parte agronômica ele vai me ajudar um pouco. Aí comecei a recuperar o vinhedo velho e, em 2021, fiz a primeira vindima, a primeira colheita, que só saiu para o mercado depois de um ano. Esteve um ano de estágio em garrafa. São vinhos mais potentes. Em 2021, só fiz tintos. Em 2022, já tive branco e tinto. A prova que vamos fazer aqui em Salvador é do meu primeiro branco de 2022 de Vinhas Velhas também. O tinto já é mais fresco, mais elegante, mais aromático, apesar de ter bastante taninos vivos. São vinhedos velhos com castas brancas também misturadas e castas rosadas. Resolvi apostar tudo na minha vinícola, no meu vinhedo. Já tenho uma adega pequena comprada, é uma coisa muito bonita, muito antiga. Estou negociando agora comprar uma adega praticamente nova e mais 10 hectares de vinhas. Se conseguir fechar esse negócio, vou ficar com 30 hectares de terreno, onde 18 hectares são de vinhedos e o restante para o olival. Também tenho amendoeiras, mas é pouco significativo. Eu sempre tive o sonho de ter uma vinícola. Eu gosto muito, muito de vinhos. Eu estudo bastante os vinhedos de Trás-os-Montes, as castas de Portugal e de todo o mundo. Nesse momento, graças a Deus, depois de muito esforço e de muito dinheiro contado consegui comprar os primeiros 20 hectares e vamos investir no melhoramento da adega e ampliação do vinhedo também.

Escolhi Trás-os-Montes porque eu descobri, depois de muito estudo, que essa é a região vinícola mais antiga da Península Ibérica. Nós temos identificados e catalogados 185 lagares rupestres escavados na pedra de granito. Temos lagares romanos e lagares anteriores aos romanos. Estiveram bastante abandonados. É engraçado porque ela é a região vinícola mais antiga e também a mais recente. Em 2017 foi registrada e catalogada como região vinícola separada do Douro. Antigamente éramos do Douro, mas com a redução da área do Douro, ficamos de fora. A maior parte dos vinhedos de Trás-os-Montes são muito velhos, que não sofreram muito com a filoxera. Muito pelo contrário. E por isso, muitas castas que existem no Douro como a Tinta Amarela (Trincadeira), a Vinhozinho, a própria Tinta Roriz (que é o Tempranillo), o Douro veio buscar muitas delas no Trás-os-Montes para replantar. O Tempranillo e muitas castas como Touriga Nacional, temos vinhedos com cerca de 200 anos lá no Trás-os-Montes. Por isso a gente nem discute por outras castas, só queremos as nossas mesmo, que são poucas: a Tinta Amarela, a Tinta Roriz – cujo berço em Portugal é nosso -, a Vinhozinho – o berço é nosso -, a gente tem um montão de castas que identificamos como muito importantes para diferencias os nossos vinhos. Fui convidado recentemente para falar na Universidade de Zamora (Argentina) sobre essas castas. Muitas delas são as mesmas castas da Espanha e discutimos sobre a região vinícola mais antiga da Península Ibérica, teve um espanhol que disse que eles têm 205 lagares romanos. Perguntei se eles tinham alguns anteriores aos romanos e ele me disse que não. Mas nós temos muitas delas, por isso somos os mais velhos. Ele riu e concordou que somos os mais velhos mesmo. São castas muito interessantes, que os convidados da masterclass terão a oportunidade de conhecer. Eu só trouxe vinhos de uvas velhas. Os outros de produção mais tardia eu achei que ainda não estão prontos, por isso não trouxe.

Coluna VinhosBahia: Quais as principais características do terroir do DOC Trás-os-Montes?
Fernando Nicolau de Almeida:
As principais características dos vinhos DOC Trás-os-Montes são a elegância e a acidez. Como estamos numa área muito mais alta, numa média de 350 a 750 metros de altitude. Eu tenho um dos vinhedos mais baixos de Trás-os-Montes, que está entre 260 e 280 metros de altitude, na zona mais quente, que é a sub-região de Valpaços. A vantagem desses vinhos é a frescura. São amplitudes térmicas muito altas, que vão de -10 graus a 44 graus. Isso faz com que os vinhos fiquem mais frescos e transmitam mais acidez. Temos solos graníticos e solos xistosos. O meu é majoritariamente xistoso, com algumas áreas de granítico. Isso dá uma acidez bastante diferente aos vinhos, tanto para os brancos como para os tintos. Essas características de frescura e elegância dos vinhos de Trás-os-Montes são recentes. Antigamente, eles deixavam a uva maturar mais e os vinhos entravam nas adegas com 16%, 18% de graduação, quase um Vinho do Porto. Era conhecido como Vinho da Terra Quente porque a maturação era muito rápida. Com a Joana Pinhão, que é a minha enóloga consultora – porque eu não sou enólogo, eu sou um blender, crio os blends do meu vinho e a parte comercial eu também faço -, eu procuro fazer os vinhos de maneira que sejam elegantes, com alguma madeira nesse caso com escopo de gama. Todos eles passam por barricas usadas de 2º ano, com exceão do Talau, que teve barricas novas e para tinto com tosta de branco, ou seja, não tão pesados, porque acho que comercialmente são melhores. Mas as barricas nos Brancos Vinhas Velhas são de Chardonnay de 2º ano e nos Tintos Vinhas Velhas uso Pinot Noir de 2º ano.

Coluna VinhosBahia: Quais as variedades de uva cultivadas na Quinta Vale dos Montes? E como o senhor definiria os seus vinhos: são vinhos de terroir ou vinhos de enólogo? Ou ambos?
Fernando Nicolau de Almeida:
Temos três hectares de vinhedos velhos; uma parte de vinhos de guarda, que são de 40 a 48 anos; temos uma parte das vinhas de baixo, que são as vinhas do Talau, que são de 93 a 97 anos – estes são os mais estruturados. Quanto às castas, isso é muito relativo. Porque temos um montão de castas que eu próprio não sei quais são. E depois de ter estudado bastante, a UTAD, Universidade de Trás-os-Montes e Douro, ficou de ir lá catalogar. As castas principais que eu tenho em termos de brancos são Vinhozinho, Códega (Síria ou Roupeiro), Gouveio, Verdelho (mais acidez e mais frescura), Bical e este ano vou plantar Riesling para fazer um teste. No caso das tintas, eu tenho Bastardo, Mourisco de Semente, Tinta Amarela, Tinta Roriz, Touriga Nacional, Touriga Franca. Estas são as que eu tenho mais. Das vinhas que a gente chama de castas rosadas eu tenho Bastardo Ruço, Verdelho Vermelho e Moscatel Vermelho. Essas todas entram no escopo de gama dos vinhos mais frescos. Esse ano eu vou plantar, provavelmente, um Cabernet Sauvignon, que não é uma casta DOC, mas vou fazer um regional porque a maturação, a evolução futura é maior. Vou plantar muito Tinta Amarela, Bastardo e muita coisa nova em mais três hectares.

Definir meus vinhos é um pouco complexo. O Branco é um vinho que leva, majoritariamente, Vinhozinho, Verdelho e Síria. Tem uma acidez fantástica, uma mineralidade estrondosa, ao ponto de você conseguir beber o vinho praticamente quente. Ele não é um vinho muito aromático, passou por barrica e a mistura das castas corta um pouco o aroma. Ele é muito mais mineral na sua estrutura. Quando está mais quente, tem uns aromas mais tropicais: uma goiaba branca, um abacaxi verde, um pouco cítrico, um pouco de limão. É um vinho mais interessante. Muito boa estrutura na boca, elegante, fresco. Por isso dá pra acompanhar tudo: comida pesada, comida leve, dá pra beber como aperitivo com muita tranquilidade. O Tinto Vinhas Velhas é um reserva, leva um pouco de barrica. As castas mais potentes do Tinto são o Bastardo, Verdelho Vermelho, Bastardo Ruço; leva algumas brancas como a Dona Branca com maturação mais tardia; leva Tinta Amarela e Touriga Nacional. A Touriga Nacional é a casta mais recente que ele leva e tem cerca de 42 anos. Depois tem o Talau, um vinho muito mais complexo, com 18 meses de barrica, enquanto os outros têm no máximo um ano. Tem barrica nova. Aromaticamente tem mais complexidade, é um vinho que tem que abrir. São castas mais complexas e diferentes, que demoram até se perceber o que é. Tem Bastardo, Bastardo Ruço, Mourisco Vermelho, Moscatel Vermelho, Tinta Amarela, Tinta Roriz, Touriga Nacional e tem brancas misturadas. É um vinho que tem muito mais complexidade em boca, muito mais estrutura. É um vinho mais caro face aos outros. É de um segmento de alta gama. Ele custa 60 euros em Portugal. É um vinho diferente. A ideia que eu tive com a Joana foi: quero fazer um vinho diferente. E a Joana conseguiu captar o terroir e conseguiu me ajudar nesse projeto. Acho que nossos vinhos são diferentes e têm tido bastante aceitação, embora a produção seja ainda pequena. Daqui a um ano vou ter capacidade para fazer 80 mil garrafas, mas agora estou fazendo cerca de 6 mil garrafas dessas primeiras colheitas. Preferi fazer os vinhos com os vinhedos velhos, por isso demora mais para lançar no mercado do que vinhos mais frescos e monovarietais. Vamos ter tudo isso mais futuramente.

Coluna VinhosBahia: Como o senhor analisa o mercado de vinhos no Brasil e, em especial, na Bahia?
Fernando Nicolau de Almeida:
Para nós produtores de Portugal, o Brasil é um mercado muito grande. Por isso basta ter um importador razoável, não precisa ser muito forte, para comprar bastante quantidade dos nossos vinhos. Para nós, o Brasil é um mercado muito importante. É um mercado que eu gosto mais por ser minha terra também. Vendo para o Japão e para o Canadá, que são mercados que comprarm muitos vinhos portugueses também. E para Angola, ex-colônia de Portugal, onde temos muita aceitação.

Coluna VinhosBahia: Quais vinhos da Quinta Vale dos Montes serão apresentados na masterclass em Salvador?
Fernando Nicolau de Almeida:
O Quinta Vale dos Montes Vinhas Velhas Branco 2022, que é um Grande Reserva; o Quinta Vale dos Montes Vinhas Velhas Tinto 2021; e o Talau 2021 também. São os três vinhos que eu vou apresentar. São as duas primeiras safras que eu coloquei no mercado, são vinhos mais velhos. A partir de 2024 e 2025 para a frente terei uma maior produção com monovarietais, provavelmente, e uma maior quantidade.

Coluna VinhosBahia: A Quinta Vale dos Montes já tem uma distribuidora na Bahia?
Fernando Nicolau de Almeida:
Ainda não. A vinícola começou a lançar seus vinhos em Portugal praticamente este ano com várias distribuidoras. Tenho no Canadá e em Angola. Espero arranjar alguma distribuidora no Brasil em breve.

Coluna VinhosBahia: Qual vinho o senhor escolheria para o almoço com bacalhau na Semana Santa?
Fernando Nicolau de Almeida:
Essa é uma pergunta de um milhão. Mas a escolha do vinho tem muito a ver com o tipo de bacalhau que estamos falando. Se for um bacalhau com cremes mais gordurosos eu apostaria num tinto. Se for uma posta de bacalhau cozida ou na brasa, um grelhado, eu apostaria num branco. A escolha do vinho tem muito a ver com o tipo de bacalhau que você está preparando.

Coluna VinhosBahia: Existe mais alguma questão que o senhor gostaria de destacar para os leitores da Coluna VinhosBahia?
Fernando Nicolau de Almeida:
Trás-os-Montes é a região vinícola mais antiga da Península Ibérica e, ao mesmo tempo, é uma das mais recentes de Portugal porque ela só renasceu em 2017. Mas é uma das regiões que tem ganho mais terreno. Não só pela sua frescura e pela elegância dos seus vinhos, como pela acidez. Existe bastante procura pelos brancos e pelos tintos, até mais pelos brancos neste momento porque o consumo dos brancos no mundo aumentou em relação aos tintos, que estagnaram, apesar de serem bastante consumidos. Brancos e rosés têm aumentado. Então é isso que eu destaco: o DOC Trás-os-montes é uma região que está crescendo bastante em Portugal e no mundo. Por isso escolhi essa região. São três sub-regiões que irei apresentar no masterclass – Chaves, Valpaços e Planalto Mirandês -, que são completamente diferentes, mas muito agradáveis de se conhecer.

20 de abril de 2025, 10:50

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