domingo, 27 de abril de 2025

O amor misericordioso em Francisco

Foto: Francisco almoça com os pobres/ Vaticano News

Por Davi Lemos*

“Hoje, traze-Me os pagãos e aqueles que ainda não Me conhecem e nos quais pensei na Minha amarga Paixão. O seu futuro zelo consolou o Meu Coração. Mergulha-os no mar da Minha Misericórdia”. Nesta semana muitos católicos rezam a Novena em preparação à Festa da Divina Misericórdia, celebrada no II Domingo da Páscoa. Na segunda-feira (21), quarto dia da novena, foi lido este trecho de fala de Jesus a Santa Faustina Kowalska (1905 – 1938) em que ela pede que sejam levados a Ele as almas dos pagãos que, no futuro, serão zelosos com o Seu Sagrado Coração.

Às 15h desta segunda-feira, quando rezava este quarto dia da novena, percebi que este trecho realça justamente o que foi vivido pelo papa Francisco em todo o seu pontificado, cardinalato, presbiterado, em toda a sua vida: ser na vida de quem o cerca sinal da Misericórdia Divina. “Miserando atque eligendo”: o lema do episcopado, do serviço como bispo de Jorge Mario Bergoglio, continuou sendo marca de seu pontificado como Francisco.

O “Miserando atque eligendo”. Escrito em latim, significa “Com misericórdia, o elegeu”. O lema é retirado de homilia de São Beda, o Venerável (672 – 735 dC), sobre a passagem do Evangelho de São Mateus em que é relatada a vocação do próprio São Mateus, o coletor de impostos, publicano, chamado a ser apóstolo. A escolha pela misericórdia foi definida pelo pontificado pastoral do papa.

A pastoralidade de Francisco, ao contrário do que decantado pela grande imprensa em manchetes sucessivas desde 2013, não rejeitou a doutrina, somente não negou a realidade e a miséria de muitos. Viver integralmente a doutrina seria como ter já um doutoramento, e a realidade dos que se convertem é a da incompreensão sobre as dificuldades do início de uma jornada. Como cobrar de quem engatinha que já se desloque como velocista? Assim agiu Francisco: com misericórdia, acolhendo.

O engraçado enxergar a continuidade entre os três papados que presenciei. São João Paulo II foi o papa da minha infância: lembro-me ainda de ter sido uma das centenas de crianças que cantaram para o papa quando ele esteve em Salvador, em 1991. Ator, performático, foi o papa que atraiu multidões. “Abri, ou melhor, escancarai as portas a Cristo”. Foi mais ou menos isso que disse São João Paulo no início de seu pontificado. Atraiu até mesmo quando estava incapacitado: em 2005, lembro-me de ter ficado impactado quando o moribundo pontífice não conseguiu dizer a bênção a quem o esperava na Praça de São Pedro. Fiquei comovido, mas não me tornei um convertido.

Após São João Paulo, veio Bento XVI. O professor, o intelectual. O homem que explicava a fé de maneira cristalina, sem confusões, quase sem margens para interpretações variadas naquilo que ele dizia e escrevia. Claro, porém tímido. “Deus Caritas Est”, a primeira encíclica de Bento, atraiu-me, fixou-me. Converteu-me. Para um católico convertido pelos livros, era o papa ideal – da mesma forma, João Paulo II, também grande filósofo e teólogo.

Francisco chegou aparentemente “bagunçando” o cenário. Com sua Igreja em saída, utilizou não poucas vezes expressões que associavam a Igreja a um hospital. Sim, e ele sabia que a cura das feridas na alma exige um processo não apenas delicado, mas demorado, com idas e vindas, quedas, tropeços. Tendo sido pároco e torcedor fanático do San Lorenzo, sabia que a alegria de muitos são muito poucas e que um abraço seria mais importante que prodigiosos sermões.

Cada papa responde a uma necessidade dos fiéis – digo isso não como especialista, mas como fiel que acompanhou estes três sumos pontífices, ou seja, não é uma tese, mas uma mera impressão – e Francisco veio para abraçar quem iniciava, quem há muito caminhava, quem era rígido e precisava também abraçar. Sim, o papa era católico e muitos, como eu, demoraram a amá-lo. A confusão depura o amor, assim como a tempestade experimenta a confiança.

Na segunda-feira, lembrei então que a oração pelos pagãos pedida por Jesus a Santa Faustina é também um pedido por quem, imaginando-se salvo, esqueceu de amar. Miserando atque eligendo. No começo, os cristãos eram lembrados por amar inclusive e principalmente os que eram diferentes; amar somente aos iguais, com as mesmas crenças, as mesmas ideais e status social era atitude de pagãos. Os cristãos, como Cristo, amavam indistintamente. Francisco amou. Causou perplexidade em muitos não por ser heterodoxo, mas por ter andado e abraçado as prostitutas, publicanos e samaritanos de hoje. Como Cristo.

*Davi Lemos é jornalista

26 de abril de 2025, 08:15

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