Bahia registra quase 6 mil partos de meninas de 10 a 14 anos vítimas de estupro; apenas 0,9% acessou aborto legal
Da Redação
Quase seis mil meninas de 10 a 14 anos deram à luz na Bahia nos últimos cinco anos. Todas foram vítimas de estupro de vulnerável, já que a legislação brasileira considera que não existe consentimento sexual nessa faixa etária. No entanto, o número de notificações oficiais de violência sexual é menor, pouco acima de 3,9 mil casos no mesmo período, evidenciando que muitas dessas meninas não foram reconhecidas como vítimas ou sequer souberam que sofreram violência.
Entre 2021 e 2025, apenas 55 meninas dessa faixa etária tiveram acesso ao aborto legal no estado — o que representa 0,92% do total das que engravidaram, segundo dados da Secretaria da Saúde da Bahia (Sesab).
Profissionais de saúde demonstram preocupação com o projeto aprovado na Câmara dos Deputados que suspende uma resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). A norma garantia o direito de informação sobre o aborto legal e dispensava boletim de ocorrência ou autorização judicial. A proposta agora segue para o Senado.
Segundo especialistas, a mudança pode ampliar obstáculos ao atendimento. Um protocolo intersetorial de atendimento está em fase final de elaboração na Bahia, com previsão de lançamento até 2026.
Naturalização de abusos e impacto racial
Entre os fatores que explicam a baixa notificação dos casos está a naturalização de relações entre adultos e crianças. Na Bahia, o IBGE aponta que o estado é o segundo do país com maior número de crianças e adolescentes vivendo em uniões conjugais. Muitas dessas meninas são responsabilizadas pela situação, enquanto o autor não é reconhecido como agressor.
Do total de 5.939 meninas que deram à luz, 5.238 eram negras (pretas e pardas), o equivalente a 88%. Entre as que conseguiram realizar o aborto legal, 100% também eram negras.
Na Maternidade Climério de Oliveira, referência em atendimento a vítimas de violência sexual, apenas 22 crianças de até 14 anos foram atendidas desde 2021 — metade delas passou pelo aborto legal. A instituição é uma das poucas do país autorizadas a interromper a gestação após 22 semanas.
Os casos atendidos revelam que os autores variam entre homens mais velhos que mantêm relações tratadas como “namoro” e familiares próximos, como pais, padrastos e avôs. “Há situações em que a criança nem sabe dizer quando o abuso começou”, relata Leila.
Para profissionais, restringir o acesso ao aborto legal agravaria um cenário já crítico.








