sábado, 8 de novembro de 2025

Exclusivo: Uma aula sobre a produção de vinhos artesanais com o enólogo Chung H. Liu

Foto: Divulgação

por José Falcón Lopes

Com uma carreira consagrada na área de Tecnologia da Informação (TI) nos Estados Unidos, Chung H. Liu trocou o trabalho como executivo no Vale do Silício, na Califórnia, pelo trabalho como enólogo na Serra Gaúcha, no Brasil.

Liu, como prefere ser chamado, atualmente se dedica à produção artesanal de três vinhos na Serra Gaúcha: com as castas brancas Riesling Renano e Chardonnay e com a casta tinta Cabernet Franc. Ele tem se destacado também no Instagram por meio do perfil @VinhosdoLiu, onde cria e publica conteúdos de muita qualidade sobre enologia e educação em vinhos.

De passagem por Salvador, cidade onde possui laços familiares, Liu conversou com exclusividade com a Coluna VinhosBahia. Ele elegeu seus espumantes e vinhos brasileiros favoritos e deu uma verdadeira aula sobre a produção artesanal de vinhos finos. Boa leitura.

Coluna VinhosBahia: Você tem feito um trabalho pioneiro no Brasil como enólogo-educador. Mas antes de iniciar sua carreira no mundo dos vinhos, você foi um alto executivo de TI nos Estados Unidos. O que te levou a mudar tão radicalmente da TI para o vinho?
Liu: Eu cresci no Rio de Janeiro e sou formado em engenharia elétrica. Trabalhei muitos anos como engenheiro elétrico e na fase mais adiantada da minha carreira eu era um executivo, mas com bastante base técnica. Trabalhei por vários anos aqui no Brasil, mas também na Califórina (EUA), no Vale do Silício, e foi lá que eu comecei a me interessar mais por vinhos. O Vale do Silício fica perto de Napa Valley. Os primeiros vinhos que eu tomei foram de Napa. Aí fui expandindo para provar outras regiões da Califórnia, outras regiões do mundo e, a um certo ponto, pensei: gosto muito de vinhos, quero estudar mais sobre vinhos. Mas eu não queria ser um sommelier porque o seu trabalho específico é o serviço de vinhos. Eu queria algo mais próximo à engenharia e fazer vinhos tem muito de ciência envolvida, apesar das pessoas acharem que você bota lá as uvas e o vinho se faz. Isso é possível também. O vinho é feito há, no mínimo, seis mil anos, talvez até mais tempo do que isso.

Coluna VinhosBahia: O trabalho com a natureza, ao ar livre, é algo que te agrada?
Liu: Não, eu trabalho mais na vinificação. Eu prefiro trabalhar na cantina. O trabalho no campo, para ser sincero, é muito pesado. É importante, mas eu sou um cara que tem dificuldade de manter uma planta viva em casa. Então, no meu primeiro passo, não queria ser responsável pelo vinhedo. Eu comecei comprando uvas para vinificar dentro da cantina. No campo, eu vou durante o período antes da safra para acompanhar o desenvolvimento das frutas, o amadurecimento e escolher o momento da colheita para trazer as uvas na melhor condição possível e no ponto certo para fazer o vinho no estilo que eu gostaria de fazer.

Coluna VinhosBahia: Quais são os equipamentos que você utiliza na análise das uvas quando elas ainda estão no parreiral?
Liu: A gente colhe as amostras e as análises mais importantes são o potencial de álcool, que é relacionado à quantidade de açúcar, a acidez titulável e o pH. São equipamentos diferentes. Com isso você tem uma ideia de como vai ser o produto final. Tem muitas outras análises que você pode fazer, mas muito disso também é provar as uvas, acompanhar como está se desenvolvendo o vinhedo, as uvas, as fileiras. No olho dá para ver se a uva está chegando no ponto que você quer e você vai provando também. Mas isso você tem que fazer com cuidado porque o olho humano se deixa atrair pelo que é bonito. Sempre que você vai pegar para provar, você acaba pegando as uvas mais bonitas, as mais maduras, e aí pode ter uma avaliação diferente da média do vinhedo. Por exemplo, quando eu tô colhendo amostras, eu olho para o chão, não olho para as uvas. Aí caminho sete passos para o lado direito, coloco a mão e pego uma uva do cacho mais próximo, pego do meio. Vou do outro lado, não olho e pego um de baixo do cacho. Depois pego um de trás e outro de cima para ter uma amostragem. Aí junto uma quantidade de uvas, esmago e pego o suco, o mosto, e faço a análise no laboratório.

Coluna VinhosBahia: E você começou a produzir vinhos em 2023, na Califórnia?
Liu: Em 2023, eu comecei a estudar Enologia na U.C. Davis. Comecei a fazer o programa de Winemaking. Davis fica perto de Napa.

Coluna VinhosBahia: Quais foram os seus primeiros vinhos?
Liu: Meu primeiro estágio foi na Dehlinger Winery no Russian River Valley. Eles são especialistas em Pinot Noir, então trabalhei com uma grande quantidade de vinificações de Pinot Noir.

Coluna VinhosBahia: Mas você fez muito Pinot Noir porque o vinho ficou muito bom ou foi para “pegar a mão”?
Liu: A Dehlinger é uma vinícola pequena e elas têm essa prática de fazer um grande número de pequenas vinificações. Se você for numa vinícola grande, que atende a supermercados, você tem tanques grandes de dezenas de milhares de litros. Mas para fazer um vinho de alta qualidade você normalmente pega lotes pequenos de uma tonelada, meia tonelada e vinifica separadamente com, talvez, tratamentos diferentes a depender dos seus objetivos e para ter material para fazer alguns cortes, e manipular o estilo e o equilíbrio final do vinho que vai ser engarrafado.

Coluna VinhosBahia: Quando você veio para o Brasil, você trabalhou na Casa Valduga em Bento Gonçalves (RS). Você não fez o curso Winemaker da Miolo?
Liu: O curso de Winemaker da Miolo é uma atração à parte da vinícola. Eles não dependem das pessoas matriculadas no curso para fazer vinhos. Você paga para ter uma experiência e eles não estão dependendo do vinho que você está fazendo. Não tem nada a ver com o que eu fiz. Como estudante de enologia, na prática, eu fui para um lugar onde realmente eu tinha que trabalhar para apoiar a produtividade e fui pago para isso.

Coluna VinhosBahia: Na Casa Valduga você foi funcionário mesmo?
Liu: Sim, com carteira assinada. Eu fui auxiliar de cantina, que vai lá e bate o ponto. Fiquei por toda a safra de 2024.

Coluna VinhosBahia: Quais os vinhos que você produziu lá?
Liu: Na Casa Valduga não dá nem pra contar porque a quantidade de rótulos é enorme. Eles têm muitas variedades de uvas chegando, muitos estilos de vinhos sendo produzidos.

Coluna VinhosBahia: Então qual foi o vinho que mais te marcou? O que você beberia todos os dias lá se pudesse?
Liu: Quando eu trabalhei na Casa Valduga, eu tinha desconto de funcionário e comprava muito o espumante Valduga 130 Brut, que para mim é um dos melhores espumantes do Brasil. Tem uma qualidade altíssima. No meu tempo de funcionário da Valduga era uma alegria pegar uma garrafa de 130 e tomar com um galeto, uma polenta frita, uma pizza.

E a Valduga também faz, na minha opinião, o melhor espumante do Brasil, o Maria Valduga. Estão até relançando agora como um Nature. Na linha anterior era um Brut. Uma das primeiras coisas que eu lembro quando cheguei na Valduga é de fazer vinho base de espumante.

Coluna VinhosBahia: E quais são os seus vinhos branco e tinto brasileiros preferidos?
Liu: Quando eu estou em Bento Gonçalves, um dos vinhos que eu sempre compro é o Chardonnay Pinto Bandeira da Aurora. É um vinho que custa R$ 60,00 ou R$ 70,00. É super-acessível e de altíssima qualidade. É um tipo de vinho que você deixa na geladeira e vai que chegam alguns amigos a qualquer hora e você abre um sem ter pena. E se eu servir aqui às cegas para você junto com outros vinhos de outros lugares do mundo que custam três ou quatro vezes o preço, você vai ter dificuldade em dizer qual foi o que custou R$ 65,00.

Dos tintos eu acho que a uva Teroldego, uma uva italiana de Trentino, se adaptou muito bem lá na Serra Gaúcha. É uma uva que merece atenção. Já provei muitos Teroldegos e um que eu gosto muito é de um pequeno produtor familiar chamado Bodegone. É o lugar onde eu estou fazendo os meus vinhos, na cantina da Bodegone. Eu até ajudei na vinificação do Teroldego esse ano e achei que é uma uva sensacional: tem estrutura, tem equilíbrio e produz um vinho de um estilo que eu gosto muito. A produção da Bodegone é pequena. Eles fazem os vinhos eles mesmos, pai e filho.

Coluna VinhosBahia: Da sua experiência de produção de vinhos no Napa Valley e na Serra Gaúcha, o que você destacaria dos métodos de vinificação de cada lugar?
Liu: Os métodos de vinificação são praticamente os mesmos. Já existem muitos enólogos altamente qualificados hoje no Brasil graças, principalmente, às faculdades de enologia dos institutos federais. E a educação em enologia tem crescido muito.

Coluna VinhosBahia: Mas com a sua característica de educar sobre enologia nas redes sociais são poucos.
Liu: Eu gosto de falar sobre enologia nas redes sociais porque vejo tudo do ponto de vista técnico. E muito do que tem sobre vinhos nas redes sociais é do ponto de vista do marketing. Por exemplo: você vê nas redes sociais uma pessoa falar que um determinado vinho tem muita mineralidade e atribui isso ao terroir. Mas o que isso realmente quer dizer? Qual a parte do terroir que levou o vinho a ter essas características? Como funciona esse mecanismo? De onde veio esse aroma? Qual foi a prática que o enólogo seguiu na vinificação para ter esse resultado? Então, o que existe no marketing de vinhos é uma visão mística, que eu chamo de aristotélica: essa ideia de que o mundo é feito de água, fogo, terra e ar e, de alguma forma, tudo surge dessa combinação, inclusive o vinho. Essas explicações dão aquele pulo de que o solo deste terroir tem muito calcário, era um mar e tem fósseis de conchas marítimas de milhões de anos atrás e, por isso, o vinho tem esse aroma salino. É claro que é muito mais complicado do que isso. Essa é a parte que me interessa muito. Eu fiz alguns videos falando de onde realmente vêm os aromas de mineralidade, e como é difícil detectar a mineralidade. Até pessoas experientes, experts de vinhos, discordam sobre qual vinho é mais mineral ou menos mineral.

Coluna VinhosBahia: Já presenciei algumas discussões sobre a mineralidade. Foi essa falta de uma análise mais técnica que te motivou a se tornar um influencer de enologia?
Liu: Eu não me vejo como um influencer. Eu gosto de falar sobre a base técnica, sobre a pesquisa. Hoje em dia o vinho tem muito mais qualidade, mais consistência e o preço é menor, mais acessível do que era no passado. E parte disso é porque as pessoas entendem ciência, seja quando se trata de um vinho de grande volume feito por uma grande vinícola para vender em supermercado, seja um vinho artesanal de um pequeno produtor. A gente agora entende a ciência por trás disso. Até Louis Pasteur (1822-1895), a gente nem sabia que existiam leveduras que fermentavam os alimentos. Sendo uma pessoa religiosa, você sabe que as pessoas pensavam que aquela transformação era divina. Tanto que a Igreja associa o vinho ao sangue de Cristo. O que aconteceu para a uva se tornar vinho? Era divino, mas hoje em dia há um conhecimento técnico. Primeiro, as pessoas são seduzidas pelo prazer do vinho. Mas uma parte do universo de pessoas que bebem vinho, as pessoas que realmente apreciam vinho já são mais questionadoras. Aí o vendedor diz que determinado vinho é assim por causa do terroir. Isso quer dizer o quê? Você tenta perguntar para o vendedor de vinho e a maioria deles não sabe responder a próxima pergunta. O cara decorou: ‘é um vinho muito mineral porque o terroir é fantástico’. Isso quer dizer o quê? Quando eu faço essas perguntas a mim mesmo e pesquiso no que aprendi estudando enologia e viticultura. Eu acho valioso falar sobre essas coisas para um público que é interessado nos conhecimentos um pouco mais profundos, que não está só bebendo a marca ou o rótulo. A importadora te dá uma ficha técnica em um PDF e diz assim: fermentação em temperatura de 18 graus com leveduras selecionadas. Isso quer dizer o quê? Tem muitas informações nas fichas técnicas que são valiosas, mas pouca gente realmente entende o que isso quer dizer na taça.

Coluna VinhosBahia: Você certamente tem acompanhado o “boom” de empreendimentos vitivinícolas que ocorrido em diversas regiões do Brasil. Você tem visitado empreendimentos nesses novos terroirs?
Liu: Conheço alguns, mas em geral eu gosto mais da Serra Gaúcha. É uma preferência minha por várias razões. Primeiro, é um lugar cheio de pequenos produtores. São empreendimentos familiares de pequenos produtores de uva e de vinho. Têm uma tradição que passa de geração em geração. Claro que tem também os grandes: Miolo, Valduga, Salton, etc. Mas também tem muitas cooperativas como a Aurora, a Garibaldi, formadas por centenas de pequenos produtores familiares. Eu gosto muito disso. Em segundo lugar, eu gosto de vinificações pequenas. É importante haver economia de escala no vinho até para o povo ter acesso da mesma forma como a gente toma cerveja, por uma questão de preço. Acho que tem um lugar para o vinho produzido em grande quantidade e de boa qualidade, mas o que me atrai mesmo são as pequenas vinificações de pequenos produtores, que fazem um trabalho artesanal e não estão tentando uniformizar em um estilo técnico para entrar no supermercado e ser igual à garrafa da safra passada. Quando você trabalha com um grande volume de vinho, tem que fazer certas manipulações – adiciona isso, adiciona aquilo – porque tem que fazer um estilo de vinho consistente. A economia de comprar uvas e poder fazer vinho em pequenas quantidades funciona melhor no Sul. A viticultura lá é tradicional. Se você for mais para o Norte, precisa fazer a dupla poda para obter a colheita de inverno. Isso requer muita mão de obra e investimento porque tem que aplicar o Dormex (cianamida hidrogenada para induzir a brotação), a produtividade é baixa e essas vinículas têm que fazer um produto mais “premium”. Tem um certo estilo dos vinhos de colheita de inverno também: são mais concentrados e isso reverte em um certo perfil de mercado. É tudo válido. São vinhos muito bons. Mas eu prefiro o estilo da Serra Gaúcha.

Coluna VinhosBahia: Dá mais sentido ao vinho?
Liu: Dá mais sentido e o ponto de equilíbrio da Serra Gaúcha é diferente, acho mais semelhante ao Velho Mundo, aos vinhos franceses, italianos, espanhóis e portugueses. Digo isso porque, há alguns meses, quando eu estava lá em Bento Gonçalves teve uma reunião de confraria que eu participei com vinhos às cegas e eram todos vinhos brasileiros, mas no início a gente não sabia de onde eram. Numa degustação às cegas você começa perguntando: é Velho Mundo ou Novo Mundo? E eu fiquei pensando que os vinhos tinham mais características de Velho Mundo. Vejo isso como uma questão de ter mais afinidade ao paladar, à estrutura desses vinhos.

Coluna VinhosBahia: Você hoje está fazendo três vinhos: as castas brancas Riesling Renano e Chardonnay e a casta tinta Cabernet Franc. Tem algum já pronto ou que iremos conhecer em breve?
Liu: É cedo porque a gente colheu em janeiro e fevereiro, tem só alguns meses. O Riesling Renano está no tanque, nas borras finas para pegar um pouco mais de cremosidade, textura. O Chardonnay está em barricas usadas. Eu vou quase todo mês lá pra Bento pra degustar porque não é uma coisa que dá pra decidir assim: vai ficar 13 meses e meio em barrica e pronto. Você vai provando porque ele vai evoluindo, vai mudando. Tem que extrapolar, pensar um pouco: se eu tirar da barrica agora, como ele vai ficar em garrafa? Mas tem que ir provando. E o Cabernet Franc também está em barrica.

E porque eu escolhi estas castas: Riesling Renano, Chardonnay e Cabernet Franc? Porque são variedades clássicas para vinhos de referência no mundo todo. Riesling Renano vem do Vale do Reno na Alemanha, mas é produzida no mundo todo. Cabernet Franc em Bordeaux e Loire, na França; na África do Sul, em vários lugares. E o Chardonnay também: da Borgonha (França) até a Califórnia (EUA), Austrália, Chile.

Coluna VinhosBahia: Todas foram colhidas lá na Serra Gaúcha?
Liu: Sim, todas lá. É uma competição comigo mesmo: qual é o melhor Riesling Renano, qual é o melhor Chardonnay e qual é o melhor Cabernet Franc que eu consigo fazer? O meu objetivo é qualidade. Eu não estou buscando grandes margens de lucro. Para mim é uma filosofia minimalista de baixa intervenção e focada em qualidade para deixar tudo se expressar no vinho de uma forma que não fica preso a dogmas. O que no meu julgamento, na minha avaliação como enólogo, é a melhor decisão pensando na qualidade do vinho, no gosto do consumidor e do que eu gosto. Essa é a meta.

Coluna VinhosBahia: O que você pensa em fazer com cada um deles?
Liu: Beber e vender.

Coluna VinhosBahia: E qual será a quantidade de cada um?
Liu: Tenho uns 500 litros de cada, então vai ser um total de 1500 litros, umas 2 mil garrafas mais ou menos.

Coluna VinhosBahia: Já tem um rótulo?
*Liu:* Ainda não. Depois de engarrafar vai precisar de alguns meses também para ter um tempo de maturação em garrafa.

Coluna VinhosBahia: Você acha que vai levar quanto tempo no total?
Liu: Tenho que ver o que vai estar pronto para beber em 2026. Tem certos vinhos que ficam prontos no próprio ano em que as uvas são colhidas, mas se você for no mercado ou numa loja de vinhos dificilmente vai achar a safra 2025. A maioria é 2024 e 2023. Alguns dos meus vinhos vão estar prontos para beber em 2026, mas eu acho que em 2027 é que vão estar realmente no ponto certo.

Coluna VinhosBahia: Daqui da Bahia, você conhece muitos vinhos?
Liu: Já bebi muitos vinhos da Uvva, mas nunca visitei a vinícola lá em Mucugê.

Coluna VinhosBahia: Você conhece os vinhos do Vale do São Francisco?
Liu: Sim, mas é uma proposta diferente. Não tem nada a ver com o que eu estou tentando fazer. Lá é uma coisa mais para atingir volume e reduzir custos. Eu sou mais interessado nos produtores artesanais que fazem uma coisa mais curiosa e interessante. Eu acho que quem tiver a oportunidade deve ir até a Serra Gaúcha, especialmente se não for a primeira vez. Na primeira vez você tem que ir na Miolo, na Casa Valduga, na Almaviva, na Geisse, as cooperativas. Se você tiver um pouco mais de tempo, ou se estiver indo uma segunda vez, conheça os produtores pequenos, os produtores artesanais. Você vai se surpreender. É uma coisa você chegar na Miolo e tem lá o pessoal do enoturismo, todos treinados e falam sobre isso e aquilo, você prova e tal. Outra coisa é você chegar na vinícola e o dono está lá. E ele está fazendo vinho desde que era criança. Aprendeu com o pai dele. E o filho dele está estudando enologia no Instituto Federal e faz o vinho na cantina junto com o pai. E você prova o vinho com a família. É uma experiência muito legal e bem diferente de ir para os grandes atrativos de enoturismo.

Coluna VinhosBahia: Qual seria a competição no Brasil que você acha que é uma referência para medir a qualidade dos vinhos de autor?
Liu: Eu não vejo isso como uma coisa de competição. Ao contrário do resto do mundo, eu acho que a competição de qualidade tem mais a ver com oferecer um produto de qualidade e expandir o mercado porque no Brasil nosso consumo de vinho per capita é muito baixo. É de 2 litros por habitante por ano e isso inclui vinho de mesa. O consumo de vinhos finos é menos da metade disso. Então a minha preocupação e parte da motivação dos meus posts no Instagram é trazer um pouco mais de conhecimento, de informação para as pessoas que se interessam mais por vinho e que estejam dispostos a conhecer vinhos brasileiros de alta qualidade.

Coluna VinhosBahia: Você sempre cita referências nas suas publicações, na maioria das vezes, de pessoas que já estão no panteão do Mundo dos Vinhos. Das pessoas vivas, dos seus professores e dos seus pares enólogos, quais são as pessoas que você tem como referência? Os enólogos que te inspiram e com quem você gosta de conversar.
Liu: Eu aprendi muito com os enólogos da Casa Valduga. Quando eu trabalhei lá tive a oportunidade de trabalhar com um time muito top de enólogos liderado pelo João Valduga, que já é lendário. Tem o Daniel Dalla Valle, responsável pela maioria das atividades de enologia. Hoje em dia, eles são quase que “advisers” (conselheiros). Se eu tenho alguma dúvida – pô, o que eu vou fazer com a acidez desse vinho? -, vou ali do lado e falo com o Juliano Perin: – Juliano, o que você acha? Eu tô com essa situação. O laboratório diz isso. Aí ele fala: – Já pensou nisso? Que tal fazer aquilo? Então eu tenho muita sorte em contar com o apoio desses profissionais brasileiros muito experientes, que já trabalharam no mundo todo. Poder confiar neles, aprender com eles e continuar aprendendo. Eu sou novato. Estudei enologia, leio, pesquiso, penso, pergunto, mas eu estou no início da minha jornada. Eles já estão fazendo isso há décadas.

Coluna VinhosBahia: Você fez uma provocação aos seus seguidores numa publicação recente ao perguntar qual o melhor vinho que você já bebeu e na companhia de quem. Mas você mesmo não respondeu. Qual o melhor vinho que você já bebeu e na companhia de quem?
Liu: O meu melhor vinho ainda está no futuro.

Coluna VinhosBahia: Tem mais alguma questão que você acha importante destacar para os leitores?
Liu: É muito legal que o bebedor de vinho em um certo ponto tenha mais curiosidade e comece a pesquisar e aprender e entender um pouco além do marketing de vendas. É claro que é importante em um produto como um vinho ter um pacote inteiro: as histórias, o lugar, as pessoas, a harmonização com comida, a cultura, tudo isso é importante no vinho. Mas um enófilo mais sério precisa ir além disso. Não adianta gastar uma fortuna bebendo grandes rótulos, se você não entende o que está bebendo. O que aconteceu ali? Como realmente foi feito aquele vinho? Você está gastando dinheiro, mas não se enriqueceu com o conhecimento.

Coluna VinhosBahia: Daí a importância da educação em vinhos e dos cursos como WSET e ABS?
Liu: Sim. WSET é importante, mas também é importante questionar, sempre fazer perguntas: Por que isso? O que isso quer dizer? Se o vendedor ou sommelier não souber, talvez fique um pouco mais curioso e vá buscar esse conhecimento nos treinamentos: – Da última vez que eu falei isso, o cliente me questionou e pediu mais detalhes. Como é que eu explico? Como isso acontece na prática? É muito importante questionar sempre.

José Falcón Lopes é hispano-brasileiro, jornalista formado na Facom-UFBA e autor da Coluna VinhosBahia.
E-mail: colunavinhosbahia@gmail.com
Instagram: @VinhosBahia

24 de agosto de 2025, 13:16

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