domingo, 13 de julho de 2025

Lutas por saúde revelam história social da Bahia em novo volume da série da Ufba

Foto: Divulgação

Da Redação

No novo volume da série História da Medicina na Bahia, as narrativas revelam desigualdades, dores, resistências e a luta pelo direito à saúde. O quinto livro da coleção, intitulado A história da Bahia contada pelas lutas em saúde, será lançado nesta semana pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Ufba), com foco nas demandas sociais que moldaram o sistema de saúde baiano.

Organizado pelo professor Eduardo Borges dos Reis, a obra é resultado de um esforço coletivo: mais de 90 estudantes dos cursos de Medicina e História participaram da produção. Ainda conforme destacou o professor em entrevista ao jornal A Tarde, o objetivo é contar a história da Bahia a partir das lutas por acesso à saúde pública, especialmente entre populações historicamente marginalizadas.

“A saúde é um direito social. Muitas vezes, só por meio da organização entre os pares é possível garanti-lo”, explicou o professor à publicação. Os 20 capítulos do livro abordam temas historicamente negligenciados, como loucura, cegueira, alcoolismo, albinismo, anemia falciforme e a saúde das marisqueiras, tendo como critério principal o vínculo com movimentos sociais e experiências de resistência.

Ainda de acordo com o professor, a proposta transdisciplinar da obra também busca valorizar os sujeitos dessas histórias. Um dos capítulos, por exemplo, foi escrito por uma estudante de medicina cuja irmã tem albinismo — o que permitiu à autora articular conhecimento acadêmico e vivência pessoal. Outro destaque é a contribuição do ativista André Luís Gomes, da Associação Baiana das Pessoas com Doenças Falciformes (Abadfal), que forneceu depoimentos antes de falecer em decorrência da própria enfermidade.

A luta antimanicomial também tem lugar de destaque na obra. Segundo o professor Eduardo Borges, ouvido por A TARDE, esse é um tema que continua atual, e cujo marco histórico é representado por figuras como Juliano Moreira, psiquiatra baiano pioneiro em defender um tratamento mais humano para os pacientes. Ele relembra que, até a década de 1980, era comum ouvir os gritos de pacientes nus e trancados no antigo manicômio Juliano Moreira, em Brotas, Salvador. Hoje, conquistas como os CAPs (Centros de Atenção Psicossocial) são frutos dessa mobilização histórica.

Um dos capítulos mais impactantes é “O efeito das condições de vida na saúde na Salvador do passado: os testemunhos dos ossos”. Conforme detalhado na entrevista a A Tarde, a pesquisa arqueológica, liderada pela odontóloga Tereza Cristina Mendonça, revela dados impressionantes sobre a desigualdade social e a mortalidade precoce em Salvador a partir da análise de ossadas encontradas na Praça da Sé. Vestígios como perfurações, desgastes ósseos e distribuição dos corpos expõem aspectos étnicos, nutricionais e ocupacionais de diferentes grupos sociais, especialmente negros e indígenas.

A saúde das marisqueiras é outro tema de destaque. A partir de queixas comuns de dores musculares, identificadas em ações de extensão universitária no Subúrbio Ferroviário de Salvador, os pesquisadores descobriram uma epidemia de doenças osteomusculares ligadas ao trabalho no mangue. A investigação resultou em atendimentos no Hospital das Clínicas e na concessão de benefícios previdenciários para essas mulheres, reconhecidas como seguradas especiais. Segundo o professor, o modelo desenvolvido na Bahia foi expandido para outros 14 estados.

A série História da Medicina na Bahia surgiu da necessidade de material didático para a disciplina de mesmo nome, mas, como relatado ao jornal A TARDE, foi institucionalizada pela Congregação da Faculdade de Medicina da Ufba, que assumiu a responsabilidade de continuidade da coleção. O acesso aos quatro volumes anteriores é gratuito por meio do repositório da universidade. O sexto volume já está em produção, e um sétimo também está previsto.

Desde o primeiro livro, que retrata a fundação da Faculdade de Medicina da Bahia em 1808, a coleção tem como missão unir rigor acadêmico e compromisso social. Como conclui Eduardo Borges na entrevista ao A TARDE, “nosso objetivo é oferecer um material que sirva para todo mundo, que tenha curiosidade, que goste de história, que goste de ciência”.

07 de julho de 2025, 12:15

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