Salvador extingue 118 mil processos tributários e bate recorde de arrecadação após acordo com o CNJ
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Da Redação
Um acordo pioneiro entre Prefeitura de Salvador e Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), firmado em dezembro de 2023, já extinguiu mais de 118 mil processos de execução fiscal que estavam em tramitação – sobretudo de pequenas causas e contra empresas que não estão mais ativas. O objetivo era claro: renunciar às receitas menores e tirar do caminho ações que já não faziam sentido para que a Justiça pudesse focar em execuções contra grandes devedores.
Após o primeiro ano do projeto, a parceria já se mostrou certeira: em 2024, Salvador teve a maior arrecadação da Dívida Ativa da sua história, aumentando em 88% o resultado do ano anterior. Foram quase R$404 milhões, frente a R$215 milhões em 2023. O TJ-BA, por sua vez, reduziu drasticamente o alto volume de processos e pôde aumentar a produtividade ao se concentrar nas ações que possuem chances reais de serem resolvidas.
Salvador, através da Procuradoria Geral do Município (PGM), foi pioneira no Brasil neste Acordo de Cooperação Técnica (ACT), que envolveu o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM). O sucesso foi tanto que outros nove municípios baianos aderiram à medida: Lauro de Freitas, Candeias, Camaçari, Vitória da Conquista, Feira de Santana, Simões Filho, Barreiras, Cruz das Almas e Luís Eduardo Magalhães.
Só com o acordo, foram encerrados 118.257 processos. Somado a outras medidas da PGM, que mudou entendimentos sobre cobranças, já foram extintos 270.225 processos tributários desde janeiro de 2023. O volume inicial, de 452.547 ações em tramitação, foi reduzido em 59,7% em apenas dois anos.
Como explicou o procurador-geral do município, Eduardo Vaz Porto, a estratégia vai na linha do ditado ‘é preciso saber escolher as suas batalhas’: “Houve uma mudança de mentalidade da PGM no sentido de dedicar maior energia aos grandes devedores e focar nos créditos com maior recuperabilidade. Se o próprio Judiciário reconhece que não consegue processar todas as execuções fiscais, não podemos perder tempo com aquelas de pouco resultado prático”.
Como parte do acordo, Salvador extinguiu todas as ações de execução fiscal ajuizadas até 8 de junho de 2005; que não tinham CPF ou CNPJ do devedor; com valores abaixo do piso mínimo de R$2,3 mil; sem movimentação há mais de seis anos; ou ajuizadas contra empresas encerradas ou inativas.
Para a desembargadora Maria de Lourdes Medauar, do TJ-BA, o primeiro ano do acordo foi um sucesso: “Permitiu maior celeridade na tramitação de demandas judiciais, além de otimizar o trabalho das procuradorias, que passaram a concentrar esforços em execuções com maior probabilidade de êxito. Dessa forma, a ação contribuiu diretamente para a melhoria da resolutividade do Tribunal”, comentou.
A desembargadora disse que o acordo beneficia a todos: “Para o Judiciário, houve a liberação de recursos operacionais. Para a Fazenda Pública, um direcionamento mais estratégico da cobrança da Dívida Ativa. Assim, o ACT demonstrou ser uma ferramenta eficiente para a modernização da gestão processual e arrecadatória, e deve ser aprimorado e expandido”.
Benefícios
Quem mais se beneficiou do corte de 59,7% dos processos foram os pequenos contribuintes. “Os menores devedores ficaram livres dos ônus de uma execução fiscal, e alguns débitos menores passaram a ser cobrados por outros meios extrajudiciais. Já o olhar mais atento aos grandes devedores garante que quem paga regularmente seus tributos não sofrerá a concorrência desleal do sonegador contumaz”, explicou Eduardo Vaz Porto.
“E o mais importante: o aumento na arrecadação permite que a Prefeitura siga investindo nos serviços públicos como saúde, educação e assistência social, o que beneficia sobretudo as classes menos favorecidas economicamente”, completou o procurador geral do município.
Segundo o relatório Justiça em Números, elaborado pelo CNJ em 2023, as execuções fiscais somavam 33,5% do total de processos em tramitação, com a maior taxa de congestionamento do Judiciário (88,4%). À época da assinatura do ACT, o ministro do STF Luís Roberto Barroso, presidente do CNJ, disse que elas eram o maior gargalo da Justiça brasileira.
Maria de Lourdes Medauar compartilha dessa visão: “O elevado número de execuções fiscais sobrecarrega o Judiciário e compromete a recuperação do crédito. Como destacado pelo ministro Barroso, grande parte dessas ações não resulta na satisfação da dívida, seja pela prescrição intercorrente, inexistência de bens penhoráveis ou pelo elevado custo processual em relação ao valor discutido”, afirma.
Segundo a desembargadora, é preciso reforçar os meios extrajudiciais. “A falta de triagem e o ajuizamento indiscriminado prejudicam não apenas a gestão dos tribunais, mas também a Fazenda Pública, que se vê engessada em uma cobrança ineficaz, fazendo necessário o fortalecimento da cobrança administrativa”, considera.
Para a juíza auxiliar da Presidência do CNJ Keity Saboya, o ACT representa um novo modelo de relação entre as partes e é baseado em experiências internacionais. “Era preciso transpor o paradigma do conflito para o do consenso; o modelo da coerção para o da cooperação. O ACT que firmamos com Salvador foi pioneiro nesse sentido e, ao longo do primeiro ano de vigência, as evidências demonstram o êxito dessa nova forma de se relacionar”, avalia.