sábado, 8 de novembro de 2025

Especial Garziera 100 Safras: Versos de enólogos para a poesia engarrafada – por José Falcón Lopes

Foto: Divulgação

Na histórica Fazenda Milano, local que marca o nascimento da vitivinicultura no Vale do São Francisco, a Vinícola Garziera adotou como slogan “Poesia Engarrafada”. Lá, os versos que compõem seus rótulos são construídos coletivamente, brotam no campo em cada cacho de uva e passam pelos cuidados de técnicos, agrônomos, operários e enólogos antes de virar vinho.

“O vinho é um ser vivo. Ele nasce, cresce, envelhece e morre. Nós temos que tomá-lo enquanto ele está no auge. A gente planta a videira, enxerta, cuida, matura a uva. Quando a uva está pronta para vinificar aí vem a faculdade. Agora vamos mostrar quem nós somos”, compara Jorge Garziera, vitivinicultor pioneiro e fundador do Grupo Verano Brasil, que detém a marca Vinhos Garziera.

Neste terceiro artigo da Série Especial Garziera 100 Safras (leia aqui o primeiro artigo e aqui o segundo artigo) trato das principais etapas do processo de vinificação, ou de maneira mais poética, da composição dos versos líquidos conforme as explicações que pude colher com exclusividade junto aos premiados enólogos Rodrigo Fabian e Flávio Durante, no último dia 20 de setembro, no evento “O Legado em 100 Safras”.

Rodrigo Fabian destacou que o evento teve como objetivo ser um marco no processo de produção do vinho tinto Garziera 100 Safras, um rótulo 100% Cabernet Sauvignon, que faz uma justa homenagem à videira mais antiga em produção no Vale do São Francisco e tem lançamento previsto para o ano de 2027.

“Jorge me acolheu como um pai. O outro sócio do Grupo, Fernando Basso, também. A equipe de enólogos da gente é fantástica. Quando a gente tem uma equipe que entende o projeto todo, ficamos mais livres para pensar, para sonhar e para fazer acontecer. Isso, sim, motiva”, comemorou.

Flávio Durante, por sua vez, explicou as principais etapas de produção do rótulo Garziera 100 Safras desde o desengace manual, passando pelos aditivos de dióxido de enxofre e enzimas, pelo crescimento das leveduras no pé de cuba, pela maceração junto com a fermentação alcoólica, pela remontagem manual e pela prensagem até chegar na fermentação malolática em barricas de carvalho francês.

“Vamos fazer o processo de vinificação unindo um pouco de tecnologia e um pouco de trabalho artesanal. Poucas vinícolas no mundo fazem vinhos com esse processo de desengace manual. Como a gente está pretendendo que ele vá para a barrica encorpado, escolhemos esse sistema. A máquina, por melhor que seja, sempre quebra um pouquinho do nosso amigo engaço. E ela pode transmitir amargores para o nosso futuro vinho que nós não queremos. Ainda mais nesse vinho, que vai ser um vinho rico”, destacou.

O enólogo observou que após o desengace dos bagos de uva é adicionado o dióxido de enxofre (SO2), que tem uma ação antioxidante e antisséptica. “Usamos também enzimas, que são um produto natural, um catalisador biológico, justamente para quebrar mais as bagas, para extrair mais corpo. Depois vem as leveduras selecionadas, que são os fermentos. São eles que vão transformar o suco que nós temos aqui em vinho. O vinho vai atacar a glicose, nesse caso, a frutose, que são os açúcares naturais da uva. E vai transformar em gás carbônico e álcool. Uma vez colocada a levedura, vamos fazer a fermentação e a maceração no tanque”.

Flávio Durante explicou que a maceração é uma etapa de contato da casca com o mosto. Nos vinhos brancos, a casca é separada do suco. “No caso do Garziera 100 Safras, nós queremos dar bastante corpo a esse vinho, então faremos uma maceração bem prolongada de 30 a 40 dias. Nessa maceração nós extraímos os componentes que vão dar vida ao vinho: os taninos (dão corpo e sabor ao vinho) e antocianinas (pigmentos que dão cor ao vinho). Como são antioxidantes, dizemos que são eles que dão vida ao vinho. E como vamos deixar o tempo de maceração prolongado, esse vinho terá vida longa”, destacou.

Flávio Durante explicou que a escala Brix mede o açúcar da uva e que o açúcar, a acidez e o pH são os três fatores importantes para definir o momento da colheita. Ele observou que a acidez e o pH são fundamentais para a conservação do vinho. “Muita gente pensa que o alto teor alcoólico é que permite envelhecer bem o vinho. Não é bem assim. Se não tiver acidez e pH, o vinho oxida fácil”, observou.

Afundar o “chapéu” do vinho

Na etapa da fermentação alcoólica, o enólogo precisa fazer remontagens porque o gás carbônico traz a casca da uva para a parte de cima do mosto. “Como nós queremos cor e tanino, temos que misturar as partes líquida e sólida, que também é chamado de “chapéu”. Como o nosso vinho terá um processo artesanal, vamos fazer a remontagem no manual, “pigéage” é o termo francês. A gente tem que ficar lá em cima, na altura do tanque, para afundar o chapéu. Poderíamos usar bombas, mas elas mexem muito o líquido e geram borra. Então a gente quer proteger bem essa maceração para extrair somente o que nós queremos”, explicou.

Ele observou que a temperatura de fermentação deve ser em torno de 22°C, 23°C para não ter problema de contaminação e também o aroma ficar presente no vinho. Quanto maior a temperatura, como os aromas são voláteis, eles vão para a atmosfera. Outro aspecto importante é o formato do tanque de fermentação do mosto, de maneira a facilitar a eliminação das sementes, que podem dar amargor e adstringência ao vinho.

Passadas as fases da maceração e da fermentação, o mosto segue para a prensagem, onde a fase líquida será separada da fase sólida para, então, seguir para a segunda fermentação. “Nossa prensa também é muito artesanal. Existem hoje prensas muito sofisticadas, mas queremos usar essa aqui porque será mais benéfica para extrair somente o que queremos. As prensas manuais estão novamente na moda, a enologia vai e volta no tempo, valoriza as coisas mais antigas, graças a Deus”, destacou.

Flávio Durante explicou que, após a prensagem, ocorre a fermentação malolática, que pode ser feita em tanques ou barris de carvalho. O seu objetivo é transformar o ácido málico em ácido lático porque o málico é mais instável e não se dá bem com os taninos, é muito agressivo. Já os ácidos tartárico e lático são mais estáveis.

“Passada a fermentação malolática, o vinho passa por uma breve clarificação e, no nosso caso, já pode ir para os barris de carvalho. Vamos utilizar barricas francesas, que para vinhos encorpados são muito melhores do que as americanas. Elas respeitam mais a fruta e os taninos que ela cede para o futuro vinho são mais equilibrados também. Eles precisam fazer um polímero conjugado bem casado para não ter problema de adstringência”, explicou.

O enólogo disse que o Garziera 100 Safras ficará em barricas francesas por um período de 12 a 18 meses. “Vamos degustando, vendo a maciez, aroma, sabor para definir o tempo que ele vai ficar no barril. Uma vez passado esse tempo, nós podemos engarrafá-lo ou deixá-lo no tanque”.

Flávio Durante destacou que o tanque onde o rótulo Garzeira 100 Safras está sendo produzido suporta até 5 mil quilos de mosto, que deve ser convertido em cerca de 5 mil garrafas. “Temos um rendimento em torno de 75% e que depende da prensagem. Quanto menos prensar, melhor a qualidade do líquido”, assinalou.

A série Especial Garziera 100 Safras é formada por quatro artigos e homenageia o vinho 100% Cabernet Sauvignon de mesmo nome que está sendo produzido na Fazenda Milano, em Santa Maria da Boa Vista, Pernambuco. O quarto e último texto irá tratar do trabalho do designer Fabiano Olbrisch na criação gráfica deste rótulo tão especial.

José Falcón Lopes é hispano-brasileiro, jornalista formado na Facom-UFBA e autor da Coluna VinhosBahia.
E-mail: colunavinhosbahia@gmail.com
Instagram: @VinhosBahia

13 de outubro de 2025, 16:03

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