Especial Garziera 100 Safras: A expressão máxima do terroir do Vale do São Francisco – por José Falcón Lopes
Neste 04 de outubro, Dia de São Francisco, padroeiro do Meio Ambiente e do maior rio nascido em território brasileiro, a Coluna VinhosBahia traz o segundo artigo do “Especial Garziera 100 Safras” e que trata, exatamente, do relacionamento entre agricultores, videiras e condições da natureza (topografia, clima e solo) ao longo dos 40 anos de produção vitivinícola no Vale do São Francisco. Um relacionamento que os franceses resumem numa única palavra: “terroir”.
“Criamos uma vitivinicultura que não tinha nada escrito, não havia literatura”. O testemunho do vitivinicultor Jorge Garziera – protagonista do primeiro artigo do “Especial Garzeira 100 Safras: A videira e o poeta” – resume o tamanho do desafio enfrentado pelos pioneiros na região, que obteve em 01 de novembro de 2022, a primeira Indicação de Procedência em área tropical do mundo, a IP Vale do São Francisco (IPVSF).
A declaração de Jorge Garzeira foi colhida durante o evento “O Legado em 100 Safras”, realizado no último dia 20 de setembro, na Fazenda Milano, em Santa Maria da Boa Vista, Pernambuco. Exclusivo para convidados, o evento marcou o início da produção do vinho tinto Garziera 100 Safras, um rótulo 100% Cabernet Sauvignon, que faz uma homenagem à videira mais antiga em produção no Vale do São Francisco e que será – após o seu lançamento previsto para 2027 -, a expressão máxima do seu terroir.
Uva de Mesa x Uva para Processamento
Pesquisadora da Embrapa Semiárido, Patrícia Souza Leão esteve presente no evento em Santa Maria da Boa Vista. Ela contou que, logo após se formar em Agronomia, trabalhou na Fazenda Milano e depois no então Grupo Garziera. “O Grupo Garziera naquele momento foi o referencial de produção de uva de mesa no Vale. Já tinha alguma coisa de vinho. Eu estava principalmente na produção da uva de mesa porque naquele momento o grupo era focado neste produto. Foi a primeira grande empresa a fazer exportações de uva de mesa no Vale. A Fazenda Milano tinha uva de mesa e uva para vinho também. Foram os meus primeiros empregos como engenheira agrônoma formada”.
Patrícia Leão observou que o mundo do vinho tem como objetivo o êxito comercial, mas leva em conta a questão cultural e a história construída na produção de cada rótulo. “Se esse parreiral de Cabernet Sauvignon não tivesse sido preservado, não teríamos como contar essa história e a gente nem estaria hoje aqui”, destacou.
A pesquisadora da Embrapa destacou que a produção da uva de mesa, por outro lado, é mais comercial e não valoriza essas questões. “Isso não tem preço. Não tem valor de mercado que pague. Isso é algo cultural e histórico. Essas lições a gente aprendeu com o Velho Mundo. Eu espero que as novas empresas, novos parreirais continuem mantendo viva essa história para que eles chegam a 50, 60 anos. A gente não vai estar aqui, mas eles podem estar”, defendeu.
Engenheiro agrônomo do Grupo Verano Brasil, Adauto Quirino contou que trabalhou na produção de uvas de mesa antes de assumir a missão de cuidar das uvas para processamento. “Os cuidados das videiras para uva de mesa e uva para processamento são parecidos, mas possuem algumas diferenças: nas uvas de mesa estamos mais preocupados com o exterior do fruto, com o seu visual, seu tamanho, a crocância da casca e o seu sabor. Já nas uvas para processamento, estamos mais preocupados é com interior do fruto”, explicou.
IP Vale do São Francisco
Primeira Indicação de Procedência para vinhos produzidos em regiões tropicais do mundo, a IP Vale do São Francisco (IPVSF) é constituída pelos municípios de Lagoa Grande, Petrolina e Santa Maria da Boa Vista, no estado de Pernambuco; e Casa Nova e Curaçá, no estado da Bahia. Ela é formada, atualmente, por nove produtores vitivinícolas e possui cerca de 500 hectares plantados com uvas viníferas, sendo autorizado o plantio de 23 variedades de videiras.
Para poder utilizar o selo distintivo da IPVSF, os vinhos devem ser produzidos, envelhecidos e engarrafados dentro da sua área geográfica delimitada e devem passar pelo controle do Instituto do Vinho do Vale do São Francisco (Vinhovasf).
Diretor-executivo do Vinhovasf e sócio-diretor de Enologia do Grupo Verano Brasil, Rodrigo Fabian destacou o fato da IPVSF possuir características únicas devido ao clima semiárido e possuir colheitas de uvas praticamente todos os dias do ano, graças à irrigação. “Através da irrigação a gente tem a possibilidade de fazer uma pequena nutrição da planta, como se fosse pra gente ‘tomar soro na veia’. Você pode passar nutrientes todos os dias para a planta. É preciso saber qual é a microevaporação do dia, a umidade relativa do ar para poder saber quanta água se vai colocar para a planta”, explicou.
Rodrigo Fabian observou que há variações no clima da região no primeiro semestre e no segundo semestre, que contribuem para a diversidade dos produtos da região. “No segundo semestre – período em que foi feita a colheita das uvas para produção do Garziera 100 Safras Cabernet Sauvignon – a gente tem um clima perfeito para colher uvas com mais acidez, para ter os taninos equilibrados, os polifenóis, a maturação acontece mais lentamente. Temos uma boa amplitude térmica e com essas características a gente vai ter bons vinhos, inclusive vinhos de guarda com uma maior estrutura”.
Professora do Curso de Enologia no Instituto Federal do Sertão (IFSertão) em Petrolina (PE), Ana Paula Barros também esteve presente ao evento “O Legado em 100 Safras”. Ela chamou a atenção para a diversidade de rótulos de qualidade criados no Vale do São Francisco e que têm conquistado reconhecimento nacional, a exemplo das quatro Medalhas de Ouro conquistadas pelo Grupo Verano Brasil na Grande Prova Vinhos do Brasil 2025: o vinho branco Garziera Chardonnay e Chenin Blanc (blend), o frisante RioValley Moscatel Rosé, o vinho tinto Garziera Reserva Malbec e o Espumante RioValley Brut Rosé.
“Acho que o Grupo Verano Brasil vem mostrando muito como se deve fazer para crescer no mundo dos vinhos, ele vem mostrando a expressão do terroir do Vale do São Francisco. Todas as nossas vinícolas têm essa característica, mas o Grupos Verano Brasil tem uma grande quantidade de rótulos diferentes e consegue atender a um público diverso”, afirmou.
Ana Paula Barros lembrou que há alguns anos, o Vale do São Francisco venceu uma premiação de melhor vinho tinto nacional com o Syrah Testardi 2010, produzido pelo Grupo Miolo pelo processo de vinificação integral, sendo totalmente elaborado em barricas. Ela fez parte da equipe técnica da Vinícola Terranova campeã brasileira, que era comandada por Flávio Durante, que hoje trabalha como enólogo para o Grupo Verano Brasil.
“Ainda sobre o terroir, acho complicado definir com sendo uma característica só, ele se expressa de formas diferentes em cada produto. O que fica claro para mim é a estrutura de vinhos muito potentes e com potencial de guarda. Tudo depende de como é tratado no campo como em qualquer região do mundo. Eu não atuo na viticultura, mas enquanto enóloga eu sei que sem uma matéria-prima de qualidade a gente não vai conseguir nunca elaborar um grande vinho”, concluiu.
Este série é formada por quatro artigos e homenageia o vinho Garziera 100 Safras. O terceiro e o quarto textos irão tratar, respectivamente, do trabalho dos enólogos no processo de vinificação e da sensibilidade do designer gráfico na criação deste rótulo tão especial.
José Falcón Lopes é hispano-brasileiro, jornalista formado na Facom-UFBA e autor da Coluna VinhosBahia.
E-mail: colunavinhosbahia@gmail.com
Instagram: @VinhosBahia










